A constipação e a Disfunção Vesical e Intestinal na Infância

Sumário

A constipação e a Disfunção Vesical e Intestinal na Infância. A associação de constipação com disfunção do trato urinário inferior (DTUI) em crianças foi descrita por Koff em 1998 e denominada “Síndrome da disfunção das eliminações”.

Hoje chamada de “disfunção vesical e intestinal” (DVI), termo usado para descrever um espectro de sintomas urinários e intestinais, de acordo com a Sociedade Internacional de Continência Urinária (ICS)”.

Introdução

Na DVI coexistem alterações na fase de enchimento da bexiga (hiper ou hipoatividade do detrusor), na fase do esvaziamento vesical (disfunção miccional) e constipação funcional com ou sem encoprese, em crianças neurologicamente normais.

A DTUI mais comum é a hiperatividade do detrusor (músculo da bexiga) com disfunção miccional.

A DVI ainda é pouco reconhecida pela família, pela criança e por profissionais.

É preciso compreender a estreita relação entre o trato urinário e o intestinal, e que a alteração em um dos sistemas pode alterar o outro.

Significado clínico e importância da Disfunção vesical e intestinal na Urologia pediátrica

Os motivos mais comuns de consulta são a incontinência urinária, a infecção do trato urinário (ITU)  e a constipação. A DTUI representa em torno de 40% dos encaminhamentos para uro/nefropediatras e a constipação intestinal, em torno de 25% a 30%.

Para gastroenterologistas e em ambas especialidades é preciso questionar sobre os hábitos miccionais e intestinais entre as crianças com sintomas urinários, em 36% a 47% coexiste a constipação funcional.

A DVI é um problema comum na prática pediátrica diária e a causa de elevada morbidade com frequente ocorrência de ITU, refluxo vesicoureteral (RVU), cicatrizes renais e hipertensão arterial.

A associação de DVI, RVU e ITU febril recorrente é fator de risco para cicatrizes renais, insucesso em cirurgias de RVU, pielonefrite

aguda pós-cirurgia e não resolução espontânea do RVU.

O tratamento empírico dos sintomas de DTUI com anticolinérgicos têm sido preteridos em decorrência de exacerbação da constipação e a majoração do resíduo pós-miccional com aumento da frequência de ITU.

A conduta na atualidade inclui uma investigação completa do trato urinário e terapia abrangente, incluindo uroterapia, biofeedback de assoalho pélvico, anorretal, estimulação nervosa elétrica transcutânea (TENS), profilaxia antibiótica e tratamento da constipação.

Manifestações Clínicas

Os sintomas se apresentam com intensidade e frequência variáveis dependendo do tipo de disfunção predominante.

A ocorrência de ITU recorrente é frequente, cuja patogênese será relacionada ao RVU, a isquemia de mucosa vesical decorrente de alta pressão vesical, ao fenômeno “milk-back” – transferência da bactéria do meato uretral para a bexiga e principalmente ao resíduo urinário pós-miccional majorado pela retenção fecal.

Os sintomas diurnos muitas vezes são pouco percebidos pelos familiares e cuidadores, considerados como distração, preguiça,

 transtorno de comportamento ou pouco relevantes. Outras vezes, calcinhas ou cuecas úmidas apenas.

Conversar com a criança revela informações que muitas vezes os pais desconhecem.

A anamnese deve ser dirigida em forma de questionário, a fim de definir os sintomas e sinais.

* Frequência urinária: aumentada ou reduzida (normal = 3 a 8 micções por dia

* Urgência, manobras retentoras (saltitar, cruzar as pernas, manipular genitais, comprimir o períneo contra o calcâneo) e postergação:pode tornar as micções menos frequentes com pequenos volumes de escapes urinários.

* Incontinência diurna de intensidade variável.

* Eritema vulvar( assaduras) ou vulvovaginites refratárias nas meninas.

* Manipulação de genitais: pode confundir com a interpretação de masturbação infantil.

* Dores genitais ou abdominais e hematúria: podem ocorrer e são motivo de investigações prévias em busca de outros diagnósticos.

* Enurese noturna: quando ocorre pode haver mais de um episódio na mesma noite.

* Alteração no jato urinário: jato fraco e/ou intermitente, hesitação, esforço, sensação de esvaziamento vesical incompleto e retenção urinária.

* Constipação funcional: mal reconhecida pelos familiares deve ser identificada pela escala de Bristol que descreve a consistência das fezes.

* Encoprese: pode ocorrer por escapes das fezes amolecidas que passam em torno das fezes impactadas no reto.

Tratamento

O tratamento da DVI é multidisciplinar e individualizado de acordo com a condição clínica de cada paciente, combinando diversas formas de terapia.

Visa a melhora dos sintomas urinários, intestinais e suas consequências, pelo restabelecimento de um padrão de armazenamento, esvaziamento vesical e intestinal mais próximo possível do normal.

A manutenção do resultado é parte importante do tratamento, por isso em geral acompanha toda a infância e os fatores decisivos são a motivação, a paciência e a participação dos familiares.

1. Uroterapia

É um termo que se refere a terapia não cirúrgica e não farmacológica e consiste no treinamento cognitivo, consciência muscular, educação e desmistificação, incluindo:

* Explicações sobre a função normal do sistema urinário e intestinal e o que ocorre na DVI.

* Condicionamento: micções em intervalos regulares programados e hidratação após cada micção, capaz de evitar urgência, manobras retentoras, postergação e escapes.

Um melhor resultado é obtido com o uso dos relógios multialarme com horários programáveis.

* Postura na micção: adaptador de assento, suporte para os pés, roupa devidamente retirada e micção em dois tempos.

* Manutenção de diário: registro das micções, evacuações e perdas urinárias e/ou fecais, para acompanhar o progresso do tratamento.

* Programas educativos com uroterapia em grupo tem demonstrado bons resultados.

2. Biofeedback (BF) de assoalho pélvico, BF com fluxometria e BF anorretal.

3. Neuromodulação (NM) ou estimulação nervosa elétrica transcutânea (TENS).

Trabalhos recentes mostram que  neuromodulação (eletroestimulação através de fisioterapia) melhora a maioria do caso de Disfunção Vesical e Intestinal em Urologia pediátrica. Essa modalidade de tratamento não apresenta efeitos adversos e já é considerada de primeira linha. 

4. Tratamento de constipação.

5. Tratamento farmacológico

Os anticolinérgicos são drogas antimuscarínicas que têm a função de relaxar o músculo detrusor permitindo melhorar o armazenamento,  reduzindo os sintomas de intercorrência.

Quando mal indicado pode causar hipoatividade de detrusor, resíduo pós-miccional com ITU e piora da constipação intestinal.

A intolerância relacionada aos efeitos colaterais determina interrupção do tratamento em torno de 10%.

A resposta nem sempre corresponde à esperada, o índice de não adesão ao tratamento e recaídas após interrupção é relativamente elevado, por isso à partir de 1997 a FDA aprovou a indicação de NM no tratamento da hiperatividade de detrusor.

A classe dos alfa-bloqueadores tem sido indicada em diversas condições com o objetivo de promover melhor esvaziamento vesical.

Tratamento cirúrgico

A indicação de terapia cirúrgica em pacientes com DVI é limitada.

Pode ser indicada cirurgia aberta ou endoscópica em casos de RVU, ITU e cicatrizes renais, no entanto, o tratamento conservador da DVI deve ser realizado previamente.

DVI aumenta o risco de ITU em pós-operatório.

A circuncisão é indicada apenas em meninos com alto risco de ITU ou balanopostite recorrente.

Conclusão:

As DVI frequentes na infância são causa de intercorrência urinária funcional, ITU, RVU e cicatrizes renais.

Apesar de raramente evoluir para DRC estádio 5, as cicatrizes renais podem desencadear hipertensão arterial desde a infância.

As disfunções mal resolvidas na infância persistem na vida adulta com complicações como pielonefrites, especialmente durante a gestação.

O diagnóstico de DVI tem sido cada vez mais precoce, o que vai modificar o prognóstico.

O tratamento adequado previne o aparecimento de RVU secundário ou a resolução do RVU,

redução de morbidade causada por ITU febril recorrente e prevenção de cicatrizes definitivas.

Fonte:SBP

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